20 de junho de 2013

Ovo



Eu e meus amigos sempre dizemos que Uberlândia é um ovo. Com cerca de 700 mil habitantes, uma universidade federal, e pouquíssimas opções à vida noturna (quase todas concentradas numa mesma área), o pessoal numa mesma faixa etária acaba sempre se conhecendo, ainda que a maioria só “de vista”. Pois bem, numa manifestação que reuniria cerca de 35 mil pessoas desta cidade – cerca de 5% da população – , essa característica de cidade pequena se mostrou presente. Conforme seguíamos pelo nosso percurso, eu via conhecidos do Ensino Fundamental, pessoas que sempre vejo perto do meu bloco, e nos eventos que meu curso promove, amigos passando ao longe, colegas de infância que não via havia tempos, até aquela pessoal legal que, mesmo vivendo na mesma cidade, eu acabo conhecendo mais só pela internet.
     
Porém, mais importante do que as coisas habituais que eu vi no Grande Ato Pacífico pela Redução das Tarifas de ônibus em Uberlândia, são as coisas que eu nunca havia visto, ou via raramente – só, talvez, em fotos, vídeos, e sonhos. Vi amigos e inimigos acreditando juntos. Vi gente que não fazia ideia do motivo de estar ali, acreditando. Aturei e até aproveitei a música da mal-dita Charanga, bateria das Engenharias da UFU. Gritei e repeti, com sinceridade, apenas as coisas nas quais eu acreditava. Vi mais gente de verde e amarelo que em dias de jogo da Copa. Presenciei a maior reunião de coxinhas da história dos estereótipos irritantes. Catraca livre – andei de ônibus, e não paguei por isso. Vi minha mãe reviver seus dias de estudante ativista, pedindo aos quatro ventos pela educação, e por melhorias à sua classe de professores. Subi no viaduto que atrasou minhas idas à escola por quase um ano, e, de lá, vislumbrei o mar de gente que vinha atrás de nós. Muita gente. Bem mais que eu achei que apareceria. Bem mais que minha cidade ovo costuma transparecer que possui. Bem mais que meu coração emotivo estaria preparado para ver.
     
Vi também gente defendendo causa torta, desejando coisas erradas, lutando de uma forma infrutífera. Nossa cultura da ofensa demonstrou-se presente mais uma vez. E quanta gente sem graça copiando texto de outros cartazes!... Caramba, pessoal. Outra grande reunião de máscaras do Guy Fawkes, pedindo que não houvesse violência, ou que não invadissem/depredassem a prefeitura. Ah, e os pequenos anarcodoidos, carregando um A gigante na testa e nas costas, explodindo bombinhas em meio à muvucas, e dentro do túnel sob nossos pés. Psicologia das massas – você sequer sabe o que está ocorrendo, mas, de repente, começam a correr desesperadamente, gritando, até que um som altíssimo, abafado, e muito próximo, irrompe pelos ares. Um susto percorre o corpo, seguido por um momento de extrema raiva. Faz parte, certo? Discutir com a mãe cansada, pedindo pra ficar mais um pouquinho. Perder-se dos amigos. Parar e refletir enquanto lê alguns cartazes com mensagens realmente pertinentes. Recitar trechos de literatura da decadência enquanto passantes com mãos faustosas passam em meio à rua em derredor, tomada por um ruído incomum. Questionei-me tantas vezes acerca dos que sempre vejo por aí, e dos que jamais verei novamente. Qual o fundamento disso? Quais são os dados jogados para que se determine quantas vezes cruzaremos os caminhos e as ideias com as pessoas com quem dividimos este espaço urbano?
     
A verdade é que estou de volta à minha casa. Meus pés, pernas, lombar e braços doem. Não paro de pensar nas consequências de tudo isto que tem ocorrido no meu país, país do qual eu constantemente desejo fugir.  Faço a advogada do diabo às vezes, quando defendo o uso de violência em revoluções. Mas isto não é ainda a Revolução. Talvez um ensaio, uma preparação, uma introdução ao processo. Porém, ao mesmo tempo, será que estaria pronta pra uma verdadeira revolução? Um país de 200 milhões pegando fogo, símbolos do poder sendo destruídos, patrimônio do qual aprendo a cuidar na faculdade sendo posto ao chão, governantes sendo arrastados de suas cadeiras, arrancados de suas posições. Mais pessoas morrendo, todas nessa mesma causa. Na verdade, qual causa? Eu quero uma para mim. No momento, o foco está nas tarifas. Mas então, o que mudar primeiro? PEC 37? Bolsas-tudo? Feliciano? Um golpe de estado? Socialismo, Anarquismo? Ou o genérico “lutar contra a corrupção”, o grande monstro que jamais destruiremos sendo pacíficos e tão complacentes com mentiras e manipulações como somos. 
     
Somos, antes de tudo, 200 milhões. Quantos destes foram às ruas? Quantos iriam, caso fosse necessário? Eu iria, quando tudo estivesse mesmo caindo? Quantas perguntas, quantas perguntas. Eu tento me distrair de todas elas, ou fingir que não existem. Eu gosto de momentos de emoção. Gosto dos pequenos atos, ainda que hipócritas, que fazem o coração ferver. Senhoras, debruçadas sobre as janelas de seus apartamentos, sacudindo lençóis brancos, bandeiras, e dançando ao som do nosso som. Cantar nosso belíssimo hino nacional. Verde e amarelo – ah, como eu amo verde e amarelo. Rimas bobas e insistentes. Música pop nacional grudenta – PRE-PARA, QUE AGORA É HORA DE MUDAR A HISTÓRIA não, calma. 
     
No final, somos todos ovelhas sem pastor que não sabem ficar sozinhas. Que não sabem viver sem um ideal, uma ideologia pela qual viver. Ainda estou procurando a verdadeira causa pela qual lutar, a causa que vai iniciar nossa tão sonhada Revolução Brasileira. Por enquanto, manter-me-ei adepta à grande causa da cidade ovo. De qualquer forma, é muito divertido comentar de todas as pessoas lindas que vi ao longo das últimas 8 horas. Eu sinto que, em breve, esse ovo vai se partir, e saberemos se está choco, não fecundado, ou se há um filhote de pássaro pra sair dali. Talvez Uberlândia seja só um pintinho, destinado a tornar-se uma galinha e jamais alçar voo. Ou, talvez, torne-se um grande pássaro, aguardado pelas alturas, voando sobre os montes, por entre as nuvens, junto com o resto do Brasil. E talvez eu me torne também um pássaro, e voe pra longe daqui. Ou fique só em círculos pra sempre no espaço aéreo da cidade em que nasci.
     
   

12 de junho de 2013

[só]

No fundo, todo mundo é igualmente solitário. Quando a noite cai, quando os outros morrem, resta um ser, e só. Só o Ser. Só umas lembranças do que as outras pessoas já foram. Só um borrão do que existe à luz do Sol e da Lua. Só aquelas estrelas meio psicodélicas que aparecem pra nós quando fechamos nossos olhos.
     
Dá pra contar com a companhia dos amigos ou de uma música. Da família, ou de um animal irracional. Mas acompanhar não vinga. Dois em um não vinga. Viajar. Grandes grupos. Cidade, estado, país, continente. Nada disso floresce, ou espera pra que veja a Vida passar. Valorizamos tanto a individualidade, o individualismo, o único ser. Qual o sentido em ser, se a morte está à espreita e quase nada do que fomos resta depois que deixamos a superfície, e vamos ser esquecidos no subsolo?  No fundo, todo mundo é igualmente desnecessário.
     
Nunca tive razões pra sofrer pela solidão em um Dia dos Namorados. Mas sempre tive razões pra sofrer pela solidão de todos os outros dias. De todos os anos que vivi até agora. De todo esse buraco que me consome, ainda que eu agora tenha gentes com quem dividir as frustrações. Mesmo assim. Quando a noite cai, conforme os outros morram, restarei eu, só. Só eu. Só umas lembranças do que as pessoas ao meu redor são, e já foram. Só um borrão de memória das coisas que eu vejo enquanto há luz. Só aquelas estrelas meio psicodélicas que aparecem quando fechamos os olhos, e encaramos o mais íntimo do vazio da nossa solidão.