22 de novembro de 2017

Vincent van Gogh em Paris, acrílico sobre tela, 2016.


Vincent van Gogh. Noite estrelada sobre o Ródano (1888). Musée d'Orsay.
     Era quase meia-noite, cruzando de ônibus uma das muitas pontes de Paris, entrando na cidade. A luz da lua e das estrelas sobre o rio Sena fazia parecer o Ródano, e os tons de azul da noite faziam suspirar as cores e amores de um pintor em especial. Era tarde, mas eu não hesitei em fazer uma parada não planejada ali perto. No fim das contas, eu já desviei meu caminho por coisas menos belas.
     
     Ele já estava me esperando, tão debruçado sobre a ponte como se quem observasse mais o abismo da queda que a superfície das águas. A ilusão era completa, com cabelos vivamente laranjas, como se pintados de tinta acrílica brilhante. Quem sabe haveria até uma cafeteria aberta por perto. São poucos os momentos em que a vida é naturalmente graciosa com quem vive com a cabeça nas nuvens, mas, nessa noite, eu diria que várias horas de desgraçamento mental pagariam um pouco. Eu teria uma conversa com Vincent van Gogh.
     
     "Quantos tons você enxerga?" 
     
     "Bom, depende. Quantos tons existem pra se enxergar?" 
     
     "Esse é exatamente o segredo, você entende? Existe sempre um tom entre o outro. Um entretom, e entre os entretons, um entre-entretons. É virtualmente infinito."
     
     "Quantas cores dif---" (eu provavelmente deveria ter me lembrado que ele não era conhecido por ser um bom interlocutor)
     
     "Você entende, na verdade, que a riqueza não está no fato de haver tantos tons e nuances, mas na percepção apurada que consegue percebê-los. Um olho comum, um olho qualquer, só enxerga que lhe convém que existam as cores primárias, por exemplo, e algumas secundárias pra fechar a conta. Essas pessoas, não poderiam estar mais distantes dos céus, quanto os céus estão distantes da terra."
Não quis me arriscar a ser interrompida de novo. Não havia mais ninguém na ponte.
     
     "A maioria dos mortais, você vê, é tão pobre, que vive uma vida leve mediante a superficialidade. Só tocam a superfície do que é belo, porque o que é belo na superfície pode ser tocado por cima, sem nos tocar fundo. Arranhar, cavar a terra, encontrar na ponta mais distante do solo, as raízes, as origens, o sustento, tudo isso custa muito. A vida, ela pesa sobre quem quebra os frascos de vidro e se banha no perfume genuíno, na essência de todas as coisas."
     
     "As cores, elas são belas?"
     
     "As cores que você nomeia, talvez, mas mais é o que se faz com elas. O Deus Criador pinta os céus todos os dias, a todas as horas, em todos os minutos em que as nuvens e as luzes explodem em cores, e nunca os céus de um dia são totalmente iguais aos do outro. Nem mesmo nos dias cinzentos e nublados. Isso, isso é belo. O resto é um esforço indigno."
     
     Ele continuou, de costas para o rio, observando os prédios da cidade, ao longe.
     
     "Eu sinto pena de quem espreme os dias em ordens infinitas, certo de que, na ordem, existe alguma felicidade engarrafada que possa ser vendida e bebida. Esses são os que sentem pena de mim. A vida pesa, todos os dias, quando você contempla um abismo, e um abismo chama outro abismo, mas, só das coisas mais profundas pode sair qualquer esperança de felicidade, ainda que a dor seja inevitável. Vocês querem beleza? Olhem para as nossas cicatrizes, dos cortes que a vida nos deu. Elas não mais sangram, mas ainda doem um pouco toda vez que você aperta." Ele apertava meu braço, como quem sabia que a minha pele sem manchas aparentes escondia marcas que não eram visíveis aos olhos.
     
     "Eu nunca vi beleza em mim."
     
     "Eu nunca tive beleza em mim. Pelo menos, na superfície, ela passou muito rápido. O tempo e as dores foram ingratas. Mas eu tirei beleza de mim, tirei a beleza de dentro. As pessoas se lembram de mim com pena, com duvidas e questionamentos, mas elas não contemplam o ponto mais crucial dos meus 37 anos." Estávamos como espelho um do outro, encarando o rio de novo, com os rostos apoiados nos punhos.
     
     "E qual seria?"
     
     "Eu nunca fui tão inocente, sempre soube que meus dias acabariam cedo. Mas, ainda que meu corpo morresse, ainda que eu mesmo sucumbisse aos meus demônios, e o matasse, toda a vida que havia em mim explodiu em cores e formas e pinceladas em telas. A vida que havia em mim continua vivendo e fazendo viver outros. Isso é muito mais do que eu poderia desejar."
     
     Passamos algum tempo em silêncio, escutando o som suave das águas correntes. Os carros que passavam ocasionalmente não faziam desaparecer o meu delírio. Nenhum outro ônibus deu sinal por aqueles lados.
     
     "Eu queria poder voltar no tempo." 
     
     Vincent não me respondeu. Tomou meu rosto em suas mãos, virando de um lado para o outro, como quem avalia a qualidade de uma antiguidade. "Você tem beleza sim, Amelia, mas tem muito rosto no meio do caminho. Precisamos espremer suas cores pra fora, primeiro."
     
     Eu não me lembro exatamente como aconteceu, mas, mal pisquei, e já estava sozinha de novo. Não teve café, nem brandy, mas teve um gosto amargo de tinta na boca. Cuspi no rio, mas não passou. Fui embora a pé.
     

17 de novembro de 2017

Por que a gente tá cansado do WhatsApp?

     Não sei você, mas eu e mais uma pilha de gente tem relatado constantemente um cansaço em relação ao aplicativo de mensagens e comunicação instantânea. Ao contrário do que seu pai ou algum cronista conservador poderiam afirmar, não é uma rejeição à vida "vazia" e "de aparências" de internet - apesar de haver alguma conexão distante. Diretamente, é uma questão dos limites que nossa mente nos impôs, em relação à interação com outros, e o caos que se instaura quando se tenta extrapolá-los.
     
     Você provavelmente já ouviu falar daquela história de que uma pessoa só consegue interagir com qualidade com cerca de 150 pessoas, em seu círculo social. Esse dado, chamado "número de Dunbar", foi averiguado pelo antropólogo britânico Robin Dunbar, ao longo de vários experimentos sobre interação social, primeiro em primatas, depois em seres humanos. Outros pesquisadores, com o fenômeno das redes sociais, tentaram, de várias formas, demonstrar que a internet poderia alterar esse número máximo de interações, mas só conseguiram provar as limitações cognitivas sociais dos indivíduos. Ou seja, não adianta tentar abraçar o mundo todo com as pernas. Você pode até ter um coração de mãe, mas, social e biologicamente, você vai ter superlotação em algum momento. E isso já está acontecendo.
     
     Na verdade, isso acontece sistematicamente desde que você é criança, e aconteceu com seus pais, avós, bisavós, e todo mundo, basicamente. A vida passa, as pessoas vêm e vão, algumas ficam, outras não, e nossos círculos sociais vivem em uma dinâmica constante. Tem gente que sente raiva pelos que não ficam, e culpa quando são eles próprios quem vão, mas, mesmo nos limites mais saudáveis de interação entre humanos, as relações não serão totalmente fixas e estáveis. Mesmo um casamento, por exemplo, que é pensado para ser pra sempre, é apenas de um momento em diante, não dura a vida "inteira", desde o primeiro fôlego ao último. Se cada vida fosse uma linha, o universo seria um grande novelo, um emaranhado de linhas diferentes, sobrepostas, entrelaçadas, separadas, mas todas indiscutivelmente individuais e únicas. 
     
     O problema das redes sociais é que a intensidade das interações e comunicações na esfera virtual geram algumas confusões. Aquela falsa impressão de proximidade e familiaridade que se sente por acompanhar a rotina online uns dos outros complica os limites que existem nos círculos sociais de cada pessoa. Uma interação superficial frequente pode gerar, em uma pessoa, uma sensação de um vínculo mais profundo do que a outra parte supõe, o que leva a muitas frustrações infundadas - por exemplo, seu amigo de Instagram que não te convidou pra festa de aniversário dele, ou a pessoa que se ofendeu com você porque você não a convidou, a despeito dos vários tweets que trocaram ao longo da semana anterior. Algo nesse sentido.
     
     E, aliás, existem muitos limites entre a interação virtual e a interação real. Não tem como chamar pro seu casamento ou pro seu aniversário todas as pessoas que "torcem pelo seu bem" pelas redes, principalmente pessoas que não fazem parte do seu dia-a-dia realmente, as coisas são sempre mais complicadas que isso. Hoje, vi no Twitter um amigo comentando de como estava devendo muitos cafés, cinemas, encontros com tantas pessoas, marcados pelas redes, alimentados pelas redes. Os nossos muitos círculos se sobrepõem o tempo todo, entre trabalho, faculdade, igreja, academia, os amigos exclusivamente da internet, e manter contato virtual com gente do passado, por exemplo, é extremamente desgastante, porque gera uma cobrança de tentar manter todas as pessoas da sua história na sua vida ao mesmo tempo. Porque, de alguma forma, vocês se sentem participantes da vida um do outro, e obrigados a tentar manter algo que talvez tenha perdido a espontaneidade, que não faça mais tanto sentido, ou que simplesmente tenha sido superado. Não que eu seja defensora de simplesmente fechar portas do passado; eu valorizo laços, valorizo alianças! Mas é inegável que a vida segue, todos os dias, e, por mais difícil que seja aceitar, as pessoas seguem também.
     
     E existem ainda outros agravantes nessa situação, como o caso dos influenciadores digitais, que atraem muita gente por serem figuras de referência e destaque no ambiente virtual. Desde aqueles que têm milhões de seguidores e impacto mundial, até os que colecionam alguns milhares e influência muito local, no ambiente virtual, onde as interações são muito fáceis, isso gera um acúmulo de atenções em alguns indivíduos que pode ser extremamente cansativo. Toda nova interação gera na outra parte a esperança de uma amizade que é de seu interesse, e gera um contato insistente que é objeto de frustração pra uma parte, e incômodo para a outra. E tem aquela sensação constante de que todo mundo tá sempre se achando no direito de opinar na vida do outro, sendo que, pra início de conversa, expôr-se nas redes nunca foi se fazer objeto da opinião pública. Nunca deveria ter sido.
     
     E isso não se restringe à quem tenha alguma influência virtual, de forma alguma. O problema está mesmo nesses limites mal-definidos de interação, amizade, contato, e nossa própria capacidade de gerenciar tanta gente ao mesmo tempo. Estamos saturados. EU estou saturada! E a culpa é meio minha, meia dos outros. Principalmente pra pessoas como eu, que gostam de se colocar à disponibilidade de ajudar todo mundo, sem pensar se terão tempo ou disponibilidade real para isso. A culpa não é das pessoas por responderem à uma mão aberta que eu mesma estendi, mas sempre tem quem abusa, e, bom, isso aqui não é um ensaio sobre quem é mais responsável pelo problema. 
   
     O WhatsApp virou bode expiatório desse momento de saturação porque é o mais instantâneo dos aplicativos, aquele que gira em torno de ser uma ferramenta direta de comunicação. Mas é tudo um sistema, porque todo mundo já se irritou quando esperava uma resposta de alguém, e via que essa pessoa estava ativa em uma outra rede social. Esse tipo de irritação se resolve com um exercício simples de empatia. Colocar-se no lugar dos outros te ajuda a tratar as pessoas como você gostaria de ser tratado, mas não se irritar com quem pode estar tentando fazer a mesma coisa, e falhando, como você mesmo já deve ter falhado. Mas não é suficiente.
     
     Quando limites são quebrados, ultrapassados, é preciso se posicionar firmemente para reestabelecê-los. A nossa vida deve ser um esforço cuidadoso para não dar motivos pra que ninguém se escandalize conosco, mas sabendo que isso é inevitável, porque as ações e pensamentos dos outros são incontroláveis. Afastar-se de algumas pessoas, cortar alguns laços, deixar de responder algumas mensagens. Sair das redes, para os mais radicais - meu pai, inclusive, usa apenas WhatsApp na vida, e não poderia estar mais tranquilo e satisfeito.  Também explicar com cuidado a alguns que nem tudo aquilo que se quer fazer, tem-se tempo para. Eu, por exemplo acho profundamente difícil dizer não pras pessoas que me procuram em busca de algum tipo de ajuda ou auxílio, mas eu estou, no momento, no limite do que consigo fazer, na altura dos meus 22 anos. 
     
     Os gregos entendiam que limite é "a partir de onde uma coisa consegue existir em sua própria essência" - ou seja, ser plenamente ela mesma. Seu limite, nosso limite, é o limite da nossa humanidade, e, até onde eu saiba, não temos capacidade pra ser plenamente nada além de humanos. Quem é Onipotente é Deus, eu sou só uma trouxa que tem mensagens demais sem responder no WhatsApp. Aliás, me perdoem por isso, porque a maioria não é de propósito. Não posso prometer que vou melhorar porque estou fazendo meu melhor e não consegui gerenciar, ao mesmo tempo, todas as pessoas que eu de alguma forma amo e com quem me importo na minha vida. Não conseguir lidar com todas ao mesmo tempo não é, nunca foi, sobre não ter sentimentos, mas sobre a dialética da vida colocada diante disso tudo. Tudo começa e termina e, como isso não pode ser impedido, mais sábios seríamos se tirássemos disso a beleza e a delícia de estar vivos. 
     

6 de novembro de 2017

Um comentário honesto sobre Nós - o que eu acho que sei sobre Amor, Verdade, e os clichês do Ser.

     (Não que os outros não tenham sido honestos, claro)
     
     Gastei algum tempo hoje refletindo sobre tudo que eu tenho escrito e pensado nos últimos meses. Esse blog sempre foi principalmente um canal pra extrapolar os meus pensamentos sobre várias coisas, mas uma análise atenciosa demonstra como eu tenho uma tendência inegável a refletir sobre o Ser e suas muitas implicações. 
     
     E isso não é um sintoma de excesso de discurso e falta de prática. Pelo contrário; sem transformar isso em uma autodefesa, mas eu sempre busquei ser atenta às implicações práticas das coisas nas quais eu pensava. Aliás, foi assim que esse comentário honesto aqui nasceu; uma reflexão sobre o que eu aprendi, depois de tantas crises existenciais, emocionais, espirituais, histéricas e afins. Ou o que eu estou aprendendo, porque o processo parece longe de acabar.
     
     Ainda quero desenvolver isso melhor em outro momento, mas por ora basta eu te contar que tem uns 5 ou 6 anos que eu tenho pensado muito sobre como o mundo precisa de mais empatia. "Mais Amor, por favor" não adianta nada se tivermos mais amor interesseiro, egoísta, buscando os próprios ganhos e benefícios - amor este do qual o mundo JÁ está transbordando. O genuíno Amor transformador, desde os contos de fada até as mais antigas religiões da humanidade, é o Amor desinteressado e altruísta. E não existe Amor que se sacrifica sem empatia, sem a capacidade de se enxergar na dor do outro (e, sim, isso é bíblico - Hebreus 4:14-16, a empatia é o fundamento do milagre da Graça).
     
     Indivíduos só são capazes de se compadecer daqueles que eles enxergam como sendo seus semelhantes. Por isso alguns seres parecem ser mais "humanos" que outros, para certas pessoas - diferenças de classe, etnia, língua, e até espécie (pra certos vegetarianos/veganos radicais) alteram o grau de humanização que atribuímos uns aos outros. E se eu me vejo como diferente de todo mundo, ou melhor que todo mundo, vou desejar pra mim apenas coisas que não desejo pros outros, e se eu realmente acredito que todos somos iguais, vou buscar justiça pra que todos possam compartilhar dos mesmos direitos, e assim por diante. O princípio é simples. Mas tá, o que tem a ver?
     
     Quem me conhece há vários anos provavelmente se lembra muito bem de uma certa arrogância e um nível de egoísmo que permeavam tudo que eu fazia (sem tempo pra explicar com detalhes, mas eu me sentia tão isolada na vida que eu acreditava que ninguém era como eu e etc.). Pela misericórdia de Deus, tô me aproximando dos 23 com a plena conviccção de que a maior parte disso foi destruído na minha vida. Pela misericórdia de Deus, eu reitero, porque foi Ele quem permitiu que os caminhos que eu mesma escolhi pra mim fossem organizados pra me levar até o fundo do poço. 
     
     O lado legal disso tudo é que Ele foi comigo e, chegando lá, pelas minhas próprias pernas, Ele foi a luz que me permitiu ver que, ao contrário do que eu pensava, eu nunca estive sozinha, nem no fundo daquele poço - muita gente tava lá. Muita gente que eu amava, conhecia, admirava, gente até cuja aparente perfeição machucava a minha percepção de mim mesma. Aliás, vamos tratar essa ilustração como se eu estivesse caída no Inferno de Dante, em vez do fundo do poço, e a luz divina me permitiu descobrir que eu não estava sozinha no meu círculo, mas que havia muitos outros, acima de mim, abaixo de mim, mas, mais importante, todos lotados.
     
     Nada é novidade. Todo mundo é um caos. Já leu isso antes, aqui? Vai ler muitas vezes ainda. É a verdade nua e crua (ou não a verdade inteira, mas pelo menos uma boa parte dela).
   
     Cada ser humano é um universo desgovernado em si, todo antagônico, e a maior revelação da minha vida foi descobrir que eu não era a única em guerra, a única dormindo aos prantos todos os dias, incapaz de formular pensamentos equilibrados ou passar um dia inteiro sem me odiar completamente. Eu descobri que todo mundo tinha níveis de carência, e todo mundo queria conseguir coisas por mérito próprio, fazia muitas coisas pra aparecer, postava fotos pra ver se uma pessoa X ou Y curtia, dormia no meio do tempo de oração, gastava horas preciosas refletindo sobre coisas desnecessárias.      
   
     Descobri, entre lágrimas e risos, que nós todos somos humanos. Meu Deus! Que revelação aguada. Qual a grande surpresa?
     
     Meu problema com os clichês é que, quanto mais eu reflito sobre a vida, mais eu percebo que eles são reais, e que nossas vãs tentativas de quebrá-los nos fazem esquecer das verdades mais fundamentais da vida. Qual é a graça real em quebrar todos os paradigmas, mesmo? Tem coisa que, de tão desconstruída, deixa de ser verdade e vira mentira, só pela abstração. Parece capenga falar tanta coisa aqui como eu falei, pra no fim só constatar que nós somos todos humanos, mas será que nós já de fato vivemos como se entendêssemos que somos humanos? Fiz um exame cuidadoso de mim mesma aqui e, não, eu não. Não sei quanto a você.
     
     Não se engane. Muita gente ao seu redor tem tanta vontade de crescer e provar que pode fazer melhor que os próprios pais quanto medo de crescer e descobrir que é igual ou pior que eles. Quase todo mundo perderia o sono por ansiedade, ou esperaria coisas e se frustraria. São nossas tendências naturais. Se existe algum prumo que possa alinhar essas bagunças e nos ensinar a enxergar as coisas simultaneamente do nível do solo e dos olhos do pássaro, isso é outra história. Aliás, é o tal do processo do qual eu falei um pouco na "Carta aberta aos meus amigos". Uma versão macro da mágica que transforma o caos dos pensamentos em poesia.
     
     Enfim. Amor. Empatia. Somos todos iguais, ou pelo menos muito parecidos. Não se cobre tanto, mas não se acomode. Não use as diferenças pra justificar as divisões. Não use as semelhanças pra justificar a uniformidade. E, se tudo isso aqui se parece demais com tudo que você já leu ultimamente, eu espero que hoje você acredite e aceite. E, se não for hoje, que outra pessoa, mais competente que eu, te convença a aceitar sua essência. Algum dia vai. Algum dia, vai.
     

26 de outubro de 2017

Deus não é simples. Deus é Amor.

     Sobre 1 Coríntios 13, Eclesiastes 3 e 12, Salmos 139, Jó 38, João 17 e 1 João 2.
     
     Eu sempre vou refutar categoricamente todas as pessoas que tentarem argumentar que Deus, em seu Ser, É simples, e que nossa razão é culpada por torná-Lo complicado. Tentar simplificar Deus pra fugir das armadilhas da racionalidade é uma estratégia furada. Depois de quase 2,000 anos de Cristianismo, 500 de Reforma, 471 do Concílio de Trento, um sem-número de livros, doutrinas, interpretações e denominações, é impossível dizer que Deus é simples.
     
     O conflito está na incapacidade da nossa razão, tão limitada, de apreender as coisas desde o começo até o fim - uma antítese da Eternidade que foi colocada por Ele no nosso coração. Milhares de anos não deram conta do Ser, que se perde em milhares de perguntas, e Deus não responde à todas elas. Tudo Ele fez apropriado em seu tempo, em Seu Tempo, e tal conhecimento vai além daquilo que podemos conhecer. Estaremos sempre um passo atrás. Ou muitos, muitos. "Nada faz sentido!", porque é grande demais para que caiba na nossa cabecinha. 
     
     Há muito que se refletir sobre a nossa pequenês quando nos colocamos como um sujeito em busca do conhecimento de Deus, seja na Palavra, ou nas coisas Criadas. Conhecê-Lo é impossível enquanto houver trevas em nosso meio, porque as trevas não compreendem a luz. Será que ainda falta muito, para que conheçamos como somos conhecidos? Não sei. Eu sou só humana. Eu não estava lá quando Ele lançou os fundamentos da terra, delimitou os mares, firmou as estrelas, ensaiou as estações. Não andei com Ele pelos mais profundos abismos, não conheci todos os cantos dos céus, não dou ordens às chuvas, não sou capaz de discernir os milhares de anos de história que convergiram pra formar quem eu e você somos. 
     
     Por isso, muitos fogem, rejeitam, abusam ou fetichizam um conceito de Deus - é um caminho mais fácil que assumir a derrota da nossa razão. Todo o Seu conhecimento é maravilhoso demais e está totalmente além do meu alcance. Ele é elevado demais para que eu O possa conhecer. Mas Ele abriu uma porta. O Deus, criador dos céus e da terra, compartilhou com a humanidade o Seu coração, e nos revelou um segredo maravilhoso - Ele É Amor. E isso, hoje, me importa mais.
     
     Sim, Ele É Amor nos importa mais. Porque um Deus Grande, Glorioso, Altíssimo, Todo-Poderoso, Eterno, e Santo, É a evidência suprema do quão distantes dEle nós estamos. E estaríamos, pra sempre, se Ele também não fosse Amor. O Amor dobra nossos joelhos, quebranta nosso coração, destrói o nosso orgulho, e convence um Deus Soberano a esvaziar-se de Si mesmo, e tornar-se homem, de carne e osso, como nós. Ele desafiou nossas motivações, nossa justiça, nossa ética, nossas ações, e se entregou, em nosso lugar, bebendo do cálice que era nosso, para abrir uma porta que nos permitiria estar com Ele para sempre, conhecendo-O, e experimentando a satisfação sem fim da Sua Glória. 
     
     Um Deus Criador Grande e Glorioso seria apenas um objeto de terror e um fato lamentável à uma humanidade caída, incapaz de escolher o bem, em vez do mal, e a vida, em vez da morte. Mas, ainda que nós sejamos tão pequenos, Ele nos ama. Uma vez, um amigo viu Deus e Sua Criação como um Pai se deleitando nos rabiscos indecifráveis do filho pequeno - "um dia, meu filho, você se conhecerá, como Eu já te conheço". Mas, exatamente como o Pai e o filho pequeno, enquanto não crescemos, nos conectamos pela Aliança Eterna do Amor. Se amar como Ele amou, e andar como Ele andou, é estar nEle, eu fico aqui até o fim dos meus dias. Um dia, eu verei face a face, e não mais por espelho; mas, até lá, enquanto minha mente caída apenas consegue imaginar a Sua Glória, eu me contento em saber que Ele é Amor - e isso, basta. 
     

20 de outubro de 2017

Carta aberta aos amigos - Eu acredito em você.

     O ser humano é uma máquina de contradições ambulante. Minha falta de conhecimento científico sobre o assunto me impede de saber se existe alguma teoria do comportamento que explique isso, mas, enfim, contradições. Nós somos naturalmente inclinados ao desacordo. Isso porque somos feitos de razão, emoções, e sensações; mente, coração e corpo. E não precisa ser muito reflexivo pra entender que nossa mente, nosso coração e nosso corpo querem coisas totalmente diferentes, o tempo todo. O desacordo entre as nações, entre os povos, entre as pessoas, começa no desacordo de dentro. Não há coerência, apenas o caos. E a tendência ao caos.
     
     Por isso, criamos tantos códigos pra nos comunicar e regulamentar, buscamos tanto pela Verdade, procuramos um prumo que nos alinhe, ou pelo menos crie condições de estarmos alinhados um ao lado do outro, ainda que o caos de dentro permaneça o mesmo. Existe alguma virtude no fingimento em sociedade, porque ele disfarça nossa total incapacidade de viver em paz (eu já até escrevi um pequeno parágrafo sobre como a falta de empatia evidencia a falácia da vida em sociedade). Cada indivíduo é um caos só.
     
     É por isso que as pessoas se machucam o tempo todo. Mente, coração e corpo em jogo, entre pais e filhos, irmãos, amigos, parceiros, casados, solteiros, colegas de trabalho, colegas de classe, conhecidos e desconhecidos passando pela rua; a imprevisibilidade de cada linha do tempo se encontrando com outras no lugar e na hora errados. Meias-verdades contraditórias tentando encontrar algum ponto em comum. O caos que há em mim saúda o caos que há em você - e algo explode no meio do caminho. 
     
     Um dos maiores triunfos da individualização das referências na sociedade pós-moderna foi transformar a geração da comunicação numa geração falha em comunicação. A multiplicação dos contatos evidencia cada vez mais o caos dentro de você. Numa palavra, numa mensagem, um olhar, um gesto, uma imagem, algo dito ou não dito, as pessoas conseguem construir ou destruir pontes, abrir ou fechar pra sempre portas, porque são tempos intensos, e ninguém tem tempo pra se demorar uns com os outros. Sua mente machuca o que seu coração ama, seu corpo rejeita o que sua mente aprecia, seu coração rejeita o que seu corpo quer. E, no fim, alguém sempre sai prejudicado - um, ou todos. É o preço.
     
     É muito confortável a posição de quem analisa as pessoas de fora, mas não repara nas próprias mãos sujas de sangue, ou nos buracos de bala furados no peito. Entre mortos e feridos, não se salvaram todos, e tanto eu quanto você fomos culpados de uma guerra que não acaba quando eu e você morrermos - a guerra do ser contra o próprio ser, seu ser interior, e todos os seres tentando ser, um dia de cada vez ao nosso redor. Eu simpatizo com a sua dor, amigo, porque ela sempre dói, ou já doeu, ou doerá em mim. E eu simpatizo com a sua culpa, porque a culpa sempre é, ou foi, ou será minha. Já disse o poeta que "o mundo gira, e vacilão roda".
     
     A Bíblia me diz que eu não posso amar meu próximo verdadeiramente enquanto não amar a mim mesma. Eu te pergunto, quem poderia amar o caos que nós somos? Sem romantizações, eu acho bem improvável, porque o caos sempre machuca, e é machucado. Só me resta torcer por tudo aquilo que eu posso ser, quando reconciliar cada parte de mim e da minha história, pra que possamos viver em paz - ainda que seja um trabalho de uma vida toda. E ainda que a convergência completa seja apenas a expectativa do fim dos tempos, a esperança da plenitude ainda é suficiente. E, se eu posso me amar pelo meu potencial, amigo, eu também posso te amar pelo seu. Não desista nunca de quem você é, por todos os sacrifícios de quem você já foi, e por tudo que você pode ser. Você ainda vai muito longe. Eu tenho certeza. 
     

14 de setembro de 2017

Eu sou difícil de amar.

     Ou, pelo menos, foi nisso que me fizeram acreditar a vida toda. Eu não era suficiente pra que ninguém se esforçasse. Chata demais, espinhosa demais, especial de menos, bonita de menos. Desde criança, consciente ou inconscientemente, a mensagem que as pessoas que passaram pela minha vida foi uma só - você é difícil de amar.
    
     Ninguém queria se esforçar pra entender meu jeito de falar, ou de pensar, de me vestir, de me comportar, apesar de eu ansiar tanto por um pouco de compreensão, alguém que sinalizasse que eu não estava sozinha dentro da minha cabeça no mundo. Nem meus pais escaparam dessa. Não os culpo, porque eu sei que, de alguma forma, eles achavam que me fariam bem, apontando as dificuldades de relacionamento que havia entre eu e o mundo. Mas algo se perdeu nessas boas intenções também.
    
     Não é surpreendente que, no meio de toda essa bagunça, mesmo tendo crescido na igreja, eu tenha passado meus 22 anos de vida sofrendo com um sentimento de que nem Deus seria capaz de me amar. Mesmo conhecendo e experimentando de todo o maravilhoso cuidado do Pai comigo ao longo de toda a vida, e a insondável profundidade do seu Ser, essa barreira não se fechava. Não se fechou, aliás. Não completamente. Eu vivo em altos e baixos dessa jornada de contemplar minha própria imperfeição nas superfícies reflexivas da vida, e não saber olhar pros céus depois disso. Algo sempre morre um pouquinho.
    
     Eu já falei milhares de vezes aqui sobre o perigo de colocar sua esperança no amor dos outros, mas acho que esse é um erro que todos vamos acabar cometendo, em algum momento, antes de acertarmos o alvo das nossas expectativas. Até porque o ser humano foi essencialmente criado para relacionamento, para amar e ser amado, e, em primeiro momento, é muito mais fácil se apoiar naquilo que está bem diante dos olhos. Aliás, eu diria que a vida é toda sobre o que amamos ou deixamos de amar entre o espaço e o tempo. Um movimento constante de aprender e desaprender, mas tudo sempre gira em torno disso. Não à toa, do nosso coração procedem as fontes da vida.
    
     Eu posso descrever com exatidão a forma como meu coração se aperta toda vez que eu experimento algum tipo de rejeição, mas existe também uma forma muito específica como meus ombros se relaxam quando eu me enxergo nos olhos de Jesus, o verdadeiro espelho pra mim. Saber que você é feitura divina é uma verdade que demora a descer da cabeça pro coração. Saber que você não nasceu pra agradar a todos, que sua individualidade é linda, são tantos clichês que, de tão repetidos, parecem nem fazer sentido mais. Parecem até mentira.
    
     Muitas pessoas foram responsáveis por me privar de viver a verdade do Amor genuíno que o Pai derramou sobre mim. E, pro meu total desespero, eu já fui responsável por privar outros de acreditar que eles eram dignos de amor e atenção. Essa contradição ambulante entre o que eu vivi e o que eu queria viver e o que eu já fiz e o que eu queria fazer gerou um sentimento profundo de empatia dentro de mim. Como olhar pra outra pessoa e não enxergar nela os mesmos cacos que me tornaram o vaso quebrado que eu sou? Enquanto Ele não volta, continuamos sendo refeitos, sujeitos a quebrar de novo, e de novo, e eu preciso amar todos os vasos em pedaços que existem por aí, tanto quanto eu gostaria que amassem os meus caquinhos.
    
     Sempre parece uma idiotice colocar dessa forma, em palavras tão simples, porque amor, misericórdia e compaixão na prática são a maior batalha que nós enfrentamos. Principalmente quando a pessoa a ser amada é exatamente aquela que nos magoou. Acho que é esse o ponto em que tudo converge e se encontra. O mais profundo do nosso Amor é testado no perdão, e na capacidade de se enxergar no lugar de quem não foi capaz de fazer isso por você.
    
     Por coincidência (ou não), amar àqueles que nos fazem mal, àqueles que nos matam, que nos pregariam numa Cruz se pudessem, foi exatamente aquilo que o Ponto de Convergência de toda a dispensação dos tempos fez. AquEle que se entregou por Amor, obediente até a morte. Aliás, aprender a Amar é poder contemplar o pior e ainda assim enxergar o melhor. Quem de nós é capaz de fazer isso? Assim como em Cristo, um pouco de nós sempre morre nesse processo. Eu prefiro pensar que aquilo que me torna difícil de ser amada aos olhos dos homens some um pouquinho quando o caráter dEle aparece em mim.
    
     Todo esse fluxo de ideias confusas é só um reflexo de sentimentos confusos, que, somados e subtraídos, são só as consequências de um coração machucado tendo que se recuperar de novo. Eu nunca fui dessas que foge dos processos, mas amar, às vezes me dá vontade de voltar atrás. Poder viver minhas mágoas e cultivar rancor e amargura em paz, até que me consumam totalmente. Mas, acho que, no final, de tantas mortes diferentes, tudo que eu quero é encontrar Vida. A minha, a dEle, pra que nós possamos ser um, e eu consiga finalmente aceitar que, sim, meu Pai me ama, apesar de tudo aquilo que eu odeio sobre mim, e que os outros odeiam também. A realidade é dura, mas a verdade é bela. Existe esperança no meio do caos. Existe Amor. Tanto pra mim, quanto pra você.
    

24 de julho de 2017

O Jesus que você inventou

    Vamos começar essa reflexão entendendo que existe uma distância entre quem as pessoas realmente são, e a ideia que nós temos delas. Nós somos virtualmente incapazes de conhecer e compreender plenamente a complexidade de sentimentos e pensamentos que os outros são, porque sempre olhamos pra eles a partir da nossa própria complexidade de sentimentos e experiências. O Único capaz de te conhecer plenamente é aquEle que criou e não apenas viu, como viveu com você, todas as experiências da sua vida.
   
    A afirmação é válida inclusive pro maior de todos os homens, Jesus, o Cristo, aquEle que dividiu a história entre antes e depois de Seu nascimento. Nossos olhos não viram seu rosto, nem nossos ouvidos ouviram Suas palavras, ou nossas mãos apalparam Suas mãos, mas Ele continua aí, sendo maioria absoluta na face da Terra.
   
    Aliás, em um mundo religiosamente complicado, muita gente foge dos rótulos dizendo que só tenta viver sendo como Jesus. E, não me levem a mal, eu mesma solto essa de vez em quando. Mas a geração do "O que Jesus faria?" se acidentou em algum momento, porque se esqueceu que Jesus é vivo, e Ele não faria - Ele faz, e está fazendo. E Ele sempre disse que apenas fazia o que via o Pai fazendo, então fica bem estabelecido um padrão - fazer o que o Pai está fazendo. Então, a lógica me manda imitar não apenas a superfície das atitudes de Jesus, mas a origem de todas elas, porque elas seguiam um princípio do qual eu não posso fugir, se realmente decidi devotar minha vida a ser como Ele.
   
    [Se você não acredita em nada do que eu falei até o momento, imagino que possa pelo menos concordar que Jesus foi um cara muito importante e digno de imitação. Aguenta firme aí.]
   
    E aquilo que nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nos é revelado pelo Único que está conosco até hoje, e que conhece as mais profundas profundezas de Deus. O Espírito Santo vive em nós, e não há desculpa que nos isente da responsabilidade de cumprir a vontade de Deus, a única que Jesus aceitou sobre Sua vida. Assim como Ele não veio pra fazer o bem, mas para cumprir Seu papel no bom propósito do Pai, estabelecido nEle mesmo, eu e você também não viemos para andar pela terra como seres de luz cheios de frases de efeito. Viemos cumprir uma missão, estabelecida antes da fundação do mundo.
   
    O problema é que a figura de um homem bom, cuja vida terminou em sacrifício, é muito conveniente pra sociedade dos cidadãos de bem. É lindo que eu fale que quero ser uma pessoa iluminada e cheia de amor. Mas, se sou eu quem decido o que é luz e o que é amor, isso é apenas um alívio de consciência e um disfarce pro meu egoísmo. A Vida não é, nunca foi, e nunca será, o que nós queremos que ela seja. Ela é muito grande, muito maior que nós, pra que possamos segurá-la com nossas próprias mãos humanas, e achar que nossa individualidade tem o direito e o poder de fazer com que o Universo gire em torno da nossa lista pessoal de achismos.
   
    O homem bom favorito da sociedade ocidental não era nada como essa sociedade tentou pintá-Lo. Mudaram não só Sua aparência, mas suavizaram Suas palavras e o transformaram num retrato genérico de tudo aquilo que nós queremos que seja bom, puro e agradável. Um ser "de luz", que "fazia o bem" e deixou o Amor como mandamento. Aliás, "Jesus é Amor!", eles gritam - mas amor não é Jesus.
   
    Jesus não foi uma pessoa boa. Jesus trouxe uma espada, porque Ele é a Verdade, e a Verdade não é negociável - ela é ou não é. Jesus trouxe justiça, Jesus proferiu exortações, deixou instruções precisas sobre como se deve viver a vida, e não pílulas genéricas para ser feliz. Até porque pessoa boas não transformam a sociedade! Atitudes generosas esvaziadas de propósito não transformam a sociedade. A humanidade tá aí há séculos tentando provar que consegue usar a gentileza pra mudar a natureza decaída do homem. É necessário algo maior. Um mundo inteiro afundado em corrupções precisa de uma grande estratégia, precisa de visão além do alcance, precisa de um exército bem treinado e um General apto a discernir as intenções e as atitudes dos corações, para que a essência do convencimento do mal possa alcançar tantos quanto seja possível. Te parece exagerado? Pois era assim que Jesus vivia.
   
    E não me entendam mal, Ele era bom, muito bom. O Único genuinamente Bom. As Suas palavras duras eram boas, Seus milagres eram bons, Seus mandamentos eram bons. Ele se preocupava com os pobres, com os fracos, oprimidos, doentes. Ele entregou tudo de Si. Mas em obediência ao Pai, dentro de um projeto, de um propósito, tudo por Amor. O verdadeiro Amor, muito além do que nossa mente humana consegue aceitar; que não é egoísta, que não busca os próprios interesses, nem a própria vontade. Amor à Vida e ao que é Eterno, em seu sentido mais puro e pleno - conhecer e prosseguir em conhecer o Único que vive eternamente. Ele abriu um Caminho para ser trilhado; não inaugurou um estilo de vida, mas um Reino.
   
    Jesus não é um medicamento genérico que cura todas as suas dores, Ele é uma injeção precisa que te mata, depois te ressuscita. Ele não é uma lâmpada que você encaixa em qualquer lanterninha, Ele é a própria Luz. Se só te interessa iluminar alguns, a história está cheia de homens e mulheres de bem. Se te interessa buscar e encontrar a Salvação, a boa notícia é que Ele é o Salvador do Mundo. Mas Ele também é Senhor. Não tente fazer dEle seu servo, não tente inventar a sua versão daquEle que criou todas as coisas. Ele é o Rei desse Reino, o ponto de convergência de todo esse bom propósito, o dono do Poder. Ele é. Eu e você, não.
    
    

3 de julho de 2017

O que eu vi dos assentos baratos

     Nós não tínhamos dinheiro pros assentos mais caros da casa. Mas faz parte. O salão não é feito só da primeira fila, nem da segunda, nem da terceira. Nem da vigésima. Nem da quinquagésima-terceira, onde nos instalamos. Sentamos os dois em bancos de fundo, de canto, perto do papel de parede rasgado e dos braços de poltrona quebrados, onde casais se amavam e se amassavam (nós, não).
     
     Não dava pra dizer se os atores tinham nariz grande ou queixo quadrado, nem de óculos. O som das suas vozes ecoava agradavelmente por todos os lados, mas os sons do fundo se misturavam. Perto da rua, eu conseguia ouvir o ir e vir de carros, me lembrando que a vida não parava. Ouvia ao longe as vozes de fora, e os sussurros das vozes de perto, com tédio demais, ou empolgadas demais. Quem havia estado ali uma dezena de vezes recitava as falas sem soltar grandes sons, mas, dos assentos baratos, eu via o vulto de seus lábios se movendo.
     
     Vimos duas baratinhas que se moviam incessantemente pelo teto, tão perto de nós, e cruzavam com uma fila de formigas pretas. Tinha chiclete no cabelo de alguém cinco fileiras depois de nós. Som de gente passando com pipoca. Um lanterninha passou metade do tempo parado no nosso campo de visão, cobrindo metade da cena. Brincamos de adivinhar o que acontecia atrás. Ele estava muito longe para que pedíssemos licença.
     
     Alguém quase na frente filmava tudo discretamente, escondendo a câmera no ombro dos outros. A menina ao nosso lado atendeu o telefone cerca de cinco vezes antes do primeiro intervalo. Outro lanterninha, parado atrás de nós, fungava a cada dois minutos, espirrava a cada quatro. As duas baratinhas viraram três, depois quatro, depois três novamente. A distorção de escala era tanta que eram quase maiores que as atrizes no palco. E elas se misturavam com as cenas numa tragédia kafkiana, e que só existia no nosso ponto de vista. Uma história feita nos assentos mais baratos da casa.
     
     As luzes se acenderam. Quem sentou na frente assistiu com detalhes a peça inteira. Nós assistimos tudo e todos. Valeu cada um dos dois mil centavos.
    
    

12 de junho de 2017

Futuro Marido, precisamos conversar.

     Hoje é Dia dos Namorados, ou "dos eternos namorados", como dizem os casais mais velhos por aí. Eu não faço ideia de quem você seja, mas, daqui a alguns anos, seremos nós, trocando declarações bregas, ano após ano, até que o Senhor nos chame pra casa. Isso te empolga? Ainda digo pra todo mundo que prefiro que você nunca chegue, mas deve ser só um pouco de medo de que alguma coisa dê errado, e eu me frustre de novo. Eu já me frustrei bastante.
   
     Mas a verdade é que eu e meu melhor Amigo conversamos sobre você (mas não espalha por aí). Ele não me conta muita coisa ainda, mas escuta com atenção, e cuida de suavizar toda ansiedade no meu coração. Aliás, Ele cuida tão bem de mim, que prometeu que me confiaria a alguém que cuidasse como Ele. A pessoa mais parecida com Ele que eu conhecesse, foi como Ele me convenceu, foi o nosso combinado.
   
     Eu já me desgastei muito, sabe? Mas aprendi com Ele que não entregamos nosso coração em pedacinhos. O Senhor tem me ensinado a ser boa pra você, desde já. Nós reconstruímos muita coisa pensando em você e no futuro que vamos construir. Aliás, um baita de um futuro. Mal posso esperar pra que trilhemos juntos o caminho estreito, pra que arrebentemos as portas do Inferno e alegremos o céu com frutos. E filhos. Eu queria 4, educados em obediência e Graça, pra que O amem de todo o coração.
   
     Te escrevi a primeira carta aos 12 (mas já queimei, em algum lugar). Te pedi lendo comigo todos os livros do mundo, e morando em todos os países da Terra. Semana passada, pedi que chovesse no dia do nosso casamento, pra gente poder dançar sem que ninguém atrapalhe. Eu sei que seremos tão parceiros que ninguém saiba dizer se casados ou do crime. Arranjar umas confusões santas, sabe? Feito Priscila e Áquila. Virar noites conversando (porque eu converso muito). Visitar umas galerias de arte. Arrumar juntos a cozinha do almoço (eu lavo, você seca). Trabalhar pra ter uma casa, e depois abrir ela pra quem precise, feito Keith e Melody. Viver intensamente.
   
     Não sou tão inocente que deixe a esperança me cegar pra vida real, mas eu prometo que, pelo braço forte do Senhor, espantarei suas tristezas, e enfrentarei as suas batalhas, do corpo, do coração e do espírito. E a sua taça nunca ficará vazia, porque vem da mesa dEle o nosso vinho. Cearemos eternamente junto ao nosso Pai, e os céus serão testemunhas de que foi tudo pra Glória de Deus. Dessa forma, eu te espero, e vou guardando pra você meus abraços. Ninguém aqui tá com pressa.
     

27 de maio de 2017

Sobre Estantes e Malas

     Pessoas ansiosas são inclinadas a filosofar sobre o Tempo, porque ele sempre passa muito devagar. Quando tudo parece desejo adiado, só um exame aprofundado dos enganos do Chronos pode fazer sossegar um coração que se arrasta pelos dias e semanas antecipados.
   
     Há dois anos, eu me preparava pra ficar longe pela primeira vez. Eu cresci tendo a certeza de que faria isso, mas nenhuma antecipação me preparou pro peso de virar as costas pra certas coisas e abraçar outras, com tanta distância física no meio. Mesmo sabendo que 11 meses depois eu voltaria. Hoje já fazem 9 meses que retornei, mas o processo de pensar e repensar tudo não para, porque eu sei que construir e seguir em frente pro próximo projeto é a vida pra qual eu fui chamada.
   
     Muita gente já escreveu sobre isso - nossa identidade é essencialmente memória. De onde viemos, o que vimos, ouvimos, apalpamos. Eu mesma já falei muito sobre a vida como construção, assim como a vereda do justo, que vai brilhando mais e mais, até que seja dia perfeito. Eu tenho muita história, e você também, todo mundo tem. Nomes, fatos, lugares, pequenas lembranças, livros que leu, dores que sofreu. Eu sou uma pessoa de lembrancinhas, gosto de guardar algo significativo de tudo que vivo - uma pedra, um ticket, algo que me faça reviver os cheiros e sabores de outros dias. Minha casa transborda de coisas insignificantes que significam o mundo pra mim. Minha família, meus amigos, minhas viagens, meus livros, minhas dores, tudo que couber na minha estante.
   
     O problema é que casa não cabe na mala. A altura, largura e profundidade dos dias não vai comigo quando eu vou - ao menos, não integralmente. Quanta coisa já ficou pra trás! Quantos sorrisos eu nunca mais vi, em quantos lugares eu não pisarei de novo. Quantas dores se foram pra não voltar mais - glória a Deus! As memórias, as marcas ficam. Nem tudo dá pra apagar. Tem coisa que ainda machuca quase como quando aconteceu. Tem gente que não vai voltar, mas a gente ainda olha pela janela como se fosse passar de novo.
   
     Mas a vida continua seguindo. Logo menos, eu faço as malas de novo. Eu amo tudo que guardei, tudo que tenho, até o que me dilacerou, mas abriu caminho pra que eu crescesse. Espero poder jogar certas coisas fora com o tempo, mas, quando for a hora de sair de casa, não quero fazer questão de muita coisa. Não por falta de amor, nem de consideração, mas por respeito ao limite de bagagem que a vida impôs. Eu vou mais leve quando sou mais simples, não como quem tem pouco, mas como quem soube guardar seu muito no lugar certo.
   
     Eu escolhi pedir pro Senhor uma mala pequena, pra caminhar sobre a vida apenas com o necessário, que, no fim de tudo, é só Ele mesmo. E Ele me deu uma estante enorme, onde guardar tudo aquilo que eu mais amei, mais amo, tudo aquilo que me construiu, pra que eu um dia construísse também. O mais importante de tudo, pra quem vai, sempre foi ter pra onde voltar. E eu tenho um Lar.
    

17 de abril de 2017

O Caráter do Arquiteto do Universo

     Os niilistas se desiludiram na vida porque somaram todas as probabilidades e entenderam que nada aqui faz qualquer sentido. Nascer, crescer, sentir, viver, amar, nem o famoso "viver pra fazer o bem" fazem sentido se todo mundo vai nascer e morrer igualmente. Mudar a vida das pessoas? Você e o outro vão se esquecer, vão morrer; nada tem valor, a menos que exista um projeto maior. Os tais do niilistas não acreditam que o tal do projeto exista. Eu testemunhei dele. Conheci o Arquiteto.
     
     Aliás, eu sou uma arquiteta (bom, quase), mas um dos caras que eu mais tentei imitar na vida era Físico. Meu amado Albert Einstein não acreditava em Deus, não como eu acredito, mas ele entendia, por observação, um princípio que eu aprendi com a boa prática de projeto - Deus não joga dados com o Universo. A mais excelente experiência projetual vem através de um trabalho exaustivo de garantir que todos os fatores possíveis e imagináveis sejam coerentes, coesos, funcionem juntos, e, mais importante de tudo, sejam as respostas adequadas aos problemas que eles respondem. Projeto, essencialmente, é isso, uma resposta a um problema - pode ser uma resposta artística, técnica, determinista, livre, espontânea, aberta, fechada, matemática, mas começa numa necessidade e termina em como o Arquiteto a resolve.
     
     E dois Arquitetos diferentes não projetam um mesmo programa de necessidades da mesma forma, porque o charme da Arquitetura é o caráter e a personalidade de quem projeta permeados nas linhas do desenho do projeto. Tem uma essência específica do Niemeyer nas curvas que ele desenhava que não está presente na curva ampla que Lúcio Costa desenhou, cortando Brasília de Norte a Sul. Os ângulos retos de Mies van der Rohe não são os mesmos que os da Lina Bo Bardi. E, falando da Lina, a semelhança entre seus projetos está nas sutilezas de quem ela era, porque ela soube, como poucos, responder com exatidão artística e técnica às necessidades colocadas diante de si. Entre no SESC Pompeia e se maravilhe com os inúmeros detalhes e a explosão de usos e sentimentos que eles podem inspirar. E se pessoas foram capazes de obras tão sublimes, quanto mais aquele que a Palavra chama de "O Arquiteto do Universo". Aquele que lançou os fundamentos da terra, levantou os limites dos mares, ensaiou o balé das estações e colocou o planeta pra girar, dia e noite, sem parar, através da mais sublime Sabedoria.
     
     Qualquer dia muito ruim pode ser suavizado por alguns minutos com um pôr-do-Sol enquadrado por uma janelinha. Você tromba exatamente com quem queria na rua, numa precisão geométrica, sabendo que, se tivesse olhado pro ângulo errado, teria perdido. Às vezes, escapa por pouco de bater o carro e, no dia seguinte, precisa muito dele. Às vezes, bate o carro, e no dia seguinte, de ônibus, escapa de um assalto no atalho que pegava todos os dias, ou passa um bom tempo não planejado em casa com sua mãe, de repouso de uma perna quebrada. Um problema que acontece hoje faz todo o sentido três meses, ou três anos, ou trinta, depois.
     
     Uma sucessão de incertezas e fatalidades não gera beleza. O final de uma roleta russa só pode produzir morte. Jogar dados é um desafio de azar. Um bom projeto, no entanto, produz relações ricas, se adapta às múltiplas pessoas que o vivenciam todos os dias, e permanece no tempo se for sempre bem gerido, bem cuidado. É esse o caráter de Deus, o Arquiteto disso tudo, e Edificador, e Gerente Supremo. 7 bilhões de pessoas vivas, milhares morrendo, milhares nascendo, todos os minutos, riqueza, pobreza, guerra, fome, e nossa capacidade humana de levar o livre-arbítrio às últimas péssimas consequências. Ainda assim, por mais que seu pessimismo tente te convencer do contrário, você sabe que existe esperança, porque, na multiplicação das possibilidades, você entende que a chance de que você estivesse aqui, agora, é tão ínfima quanto a chance de que Deus exista.
     
     Aí começa a fé.
     
     Você é completo e perfeito sendo exatamente quem você é, algo que ninguém mais é capaz de fazer no mundo, mesmo entre 7 bilhões (e uns quebrados) de pessoas. Olhe pra exatidão do Universo e descubra o que o Arquiteto diz sobre quem você é - talvez você seja uma porta, uma parede, uma pedra do jardim, ou uma tubulação de esgoto, e esse projeto não funciona plenamente sem a sua função - pode até estar em você a solução para os problemas dos quais você tanto reclama. Se te falta conhecimento de quem você é, ou do que você faz, divirta-se com um bom estudo de caso - leia O Livro, converse com outros funcionários, analise os desenhos, e sente-se e convide o Arquiteto para um café. A agenda dEle está sempre aberta pra você.
    

9 de abril de 2017

Senti falta da Poesia.

Senti falta da Poesia
Como quem sente
Falta de um dedo necrosando;
Meio morto, meio frio,
Impossível de usar, impossível de sentir,
Mas sempre ali, sempre aqui.
    
Senti falta da Poesia
Como uma Pequena Sereia sentiu
Falta da voz que negociou para ter pernas
E andar em paz entre os homens
(Que decisão idiota).
    
É complicada, essa tal de Poesia;
Às vezes, parece charme, mas é só tristeza;
Às vezes, parece tristeza, mas são só espasmos,
E, só de escrever, parece que sente
Mais, e enxerga melhor,
Sente até o cheiro do jardim que não plantou.
     
É complicada, essa tal de Poesia,
Porque as palavras bem jogadas
Jogam fácil conosco.
    
Mas, ainda assim,
Senti falta da Poesia.
Senti falta, porque preciso do dedo, preciso da voz;
Eles são parte de mim.
    
E sou eu mesma todo o clichê das almas poéticas,
Se desfazendo e fazendo em verso, rima e estrofe;
Sou uma Poesia em forma de Filha,
E meu Pai é a Palavra.
    

3 de abril de 2017

Eu, um Estereótipo.


        Eu consumo ficção loucamente desde que me entendo por gente. Livros, filmes, desenhos animados. Boa parte da minha visão de mundo, por muitos anos, foi moldada por histórias e personagens da ficção. Meu pai sempre me disse que isso me dava uma visão distorcida da realidade, e, por mais que eu negasse, o fato era que eu amava minha visão distorcida da realidade.
    
     Eu sempre fui uma menina com dificuldades razoáveis pra me encaixar nos lugares e me sentir confortável em meio aos outros. A ficção era a realidade na qual pessoas como eu tinham superpoderes secretos, lutavam contra o crime, salvavam toda a dimensão mágica e ainda voltavam pra escola a tempo de serem zoadas pelos colegas de turma mais uma vez. Os livros e desenhos animados eram cheios de personagens que tinham as mesmas dúvidas e questionamentos que eu, e se sentiam como eu. Então, a decisão mais óbvia diante de mim era que a maneira certa de viver era como eles! Se, nos quadrinhos, as meninas esquisitas sempre achavam um amor no fim do corredor, talvez, se eu agisse totalmente como elas, uma hora, eu encontrasse também.
    
     Isso, obviamente, foi a maior armadilha na qual eu me coloquei na vida. Quando eu comecei a viver desenhando minha história como um roteiro de filme, eu vendi minha identidade pra uma lista de coisas que meu personagem poderia ou não, deveria ou não fazer. Eu assumi vários papéis ao longo dos anos, mas nenhum foi tão decepcionante quanto o da clássica heroína romântica indie.
    
     Batizada de "manic pixie dream girl", essas personagens são moças de personalidade viva, cheia de manias engraçadas, truques bizarros escondidos na manga, gostos peculiares, encantadoras e sempre dispostas a tirar um homem brilhante da depressão e ensiná-lo a viver como se deve. Era o papel perfeito pro meu coração carente, era a promessa do amor no fim do arco-íris! Ser uma Zooey Deschanel, uma Kirsten Dunst. A Bela de uma Fera - totalmente eu, mas totalmente amável (o que eu nunca tinha sido, diga-se de passagem).

     O fim de todas as minhas histórias foi decepção. Decepção de todo mundo que age como e espera dos outros uma atitude de personagem, ensaiada e exata. Eu fui temporariamente a garota dos sonhos de alguns rapazes, mas o complexo de musa só dura enquanto você é exatamente aquilo que se imagina. E ninguém é tão bom ator que consiga fingir o tempo todo. Viver de aparências gera o espanto de quando caem as máscaras e nós descobrimos pessoas bem menos que perfeitas por trás delas. A Manic Pixie Dream Girl não tinha sentimentos próprios, nunca se chateava, irritava, mudava de ideia, e eu me odiava sempre que fazia isso. Eu odiava ser eu, por isso eu tentava ser ela. Mas ela não era real. E os papéis que eu inventava pros outros também não.

     Eu descobri a vida de verdade quando parei de negar a realidade - a minha, e a das pessoas. Ninguém é um roteiro ensaiado, ninguém é uma coisa só na vida. Ninguém é a garota de cabelo colorido que coleciona broches antigos o tempo todo, nem o herói indie depressivo e brilhante que vai amar suas músicas favoritas. As pessoas engraçadas choram, as pessoas empolgadas desanimam. Ninguém é o que 2 horas de filme podem mostrar. Nós somos cada um como um jardim, e todo jardim tem espinhos, e é assim que a vida é mesmo. Não precisa fingir que eles não existem, como se te tornassem uma pessoa menos admirável. Todo mundo tem seus prós e contras, e nenhuma solidão é pra sempre. O mundo é enorme demais pra isso.

     Hoje, eu tô me esforçando ainda pra aprender a ser eu de verdade. E, acontece, eu sou bem chata, falo demais, rio alto, tenho preguiças, me chateio com várias coisas, sofro por antecipação, e sinto demais, demais, todas as coisas, eu sou um furacão de sentimentos (e às vezes levo as pessoas ao meu redor juntas no tornado). A vida, aos poucos, vai me mudando, melhorando e moldando, mas a única forma na qual eu aceito ser colocada é na melhor versão de mim, desenhada pelo meu Criador. Nunca poderei oferecer perfeição às pessoas, nem esperar o mesmo delas. E a vida é linda por isso.
    

28 de março de 2017

"30 de 22", ou "Por que não estou mais decepcionada comigo mesma"

     Há exatamente 4 anos, eu publiquei neste blog um grande desabafo sobre a minha vida, intitulado 30 de 18, ou "Por que estou decepcionada comigo mesma". Um mês depois de completar 18 anos, eu coloquei um espelho diante de mim e não enxerguei nada além de coisas que me frustravam, decepcionavam, chateavam. Naquele dia, eu odiei ser eu, não pelo que eu era, mas pelo que eu estava me tornando. No dia seguinte, um vídeo também (hoje em dia eu tô curada, pode assistir também).
    
     Depois daquele 28 de Março de 2013, eu ainda me frustrei muito. Poucas semanas depois, tive uma grande frustração amorosa. Ainda tive outras, meses, anos depois. Tive muitos altos e baixos nas expectativas profissionais. Fiquei obcecada por dezenas de coisas diferentes, de ideologias políticas a séries de TV. Coloquei minha identidade em todas elas, e descobri que não me encaixava em nenhuma. Engordei, emagreci, engordei mais, emagreci de novo, e agora não sei bem. Pintei mil quadros e escrevi dois mil textos, tentando me expressar. Mudei de país, vivi vários sonhos, e voltei pra casa com o gosto amargo de quem descobre que lutou por algo que nem era tão importante assim. Eu vi meu castelinho de areia da vida desabar. E uma das minhas avós faleceu também.
     
     Passado esse tempo, ainda curto, mas significativo, eu coloco diante de mim, aos 22, o mesmo espelho dos 18. É curioso observar que várias das feridas, mesmo cicatrizadas, ainda doem, como se pudessem se abrir a qualquer momento. Acontece que, essencialmente, este espelho reflete as mesmas coisas que refletia há quatro anos. Minha vida ainda parece um retumbante fracasso, diante das expectativas que eu cultivava sobre mim mesma. A grande diferença hoje é que eu resolvi trocar de espelho.
     
     Aqueles fracassos não me assustam mais, porque aquelas expectativas não importam. A Luisa de 18 queria ser dona do próprio destino, e se esqueceu que, logo quando nasceu, sua vida foi consagrada ao próprio Autor da Vida. Eu achava que as coisas mais importantes que eu faria na vida viriam antes dos 18, sendo que existe muito mais pra ser vivido. Eu me esforçava pra ser reconhecida pelos homens pelo que eu fazia, como uma extensão do que eu era, mas não percebia que isso me fazia morrer.
     
     Eu sou feliz hoje. Não como quem acha que já fez o bastante, mas como quem sabe que tá a caminho, no Caminho certo. Eu olho ao meu redor e vejo que, em todo esse fracasso aparente, tem sido gerada uma vida que tem significado. O maior projeto da minha vida não é cumprir meus planos, mas completar a carreira exata para a qual eu fui criada. Se os propósitos se cumprem hoje ou daqui a 25 anos, não importa. E não é que eu não tenha dias frustrados, tristes, ou desanimadores - a vida continua sendo vida. Mas, quando parece que eu vou cair, eu descubro que existe uma segurança maior, como uma rede de proteção me protegendo do abismo.
     
     A maior frustração que eu experimentei na minha vida foi descobrir que toda a minha racionalidade não era suficiente pra conter a tempestade de sentimentos dentro de mim. Mas a resposta disso foi a Voz que acalmou os mares sussurrando paz à minha alma. A Paz que transcende todo entendimento é sentar-se no barco dentro do mar agitado e ter a certeza de que, qualquer que seja o fim da história, eu confio o bastante nas mãos que estão escrevendo, mãos furadas na Cruz, que também seguram o universo e também meu coração. Agora, me parece que tem um tornado vindo, mas tá tudo bem. Se eu e o barco afundarmos, no final, eu também sei pra onde vou. Dá pra ficar decepcionada, assim?
   
   
    

27 de março de 2017

Ponto de Fuga

     Estava vendo fotos das minhas viagens (faço isso frequentemente), e encontrei uma vista do alto do salão do Museu d'Orsay, em Paris. Pra além de ser um projeto incrível e um museu fantástico, a foto é naturalmente bonita por causa do ângulo em que foi tirada. Estou longe de ser uma fotógrafa muito talentosa, mas o local de onde eu observava o salão do museu permitiu que o ponto de fuga da cena ficasse claramente destacado.
    
     Eu cresci entre papéis e lápis de desenho, sendo ensinada pelo meu pai e minha mãe nos caminhos da arte. Acabei na faculdade de Arquitetura e, em um dado momento disso, virei brevemente professora de desenho pra alunos que queriam entrar no curso. Quão grande foi minha surpresa quando eu descobri que muita gente não consegue enxergar os pontos de fuga quando olha pro mundo!
    
     Os anos de treino fazem com quem eu naturalmente identifique os eixos principais de construção de qualquer objeto ou cena que observo, e isso é natural pra desenhistas, artistas, arquitetos. Uma pessoa que não foi ensinada a entender o básico de como funciona a geometria dos pontos de fuga consegue vê-los, mas não os entende, não os identifica. Elas são capazes até de desenhar um objeto em "perspectiva" com linhas paralelas, apesar de sua visão mostrar o contrário, porque elas não foram ensinadas a enxergar isso. 
    
     Acontece que pontos de fuga e perspectiva não são facilmente entendidos porque não são materializados. São uma estratégia da nossa visão para que o mundo ordenado faça sentido em sua profundidade completa. Sem as deformações da perspectiva, não conheceríamos este mundo em toda sua altura, largura e profundidade. 
    
     O ponto chave da questão é justamente como a falta de conhecimento de algo que todas as pessoas enxergam faz com que elas não entendam o que estão vendo. Me parece um pouco com o Evangelho. As boas novas da Salvação e do Reino de Deus não se encaixam na lógica comum deste mundo, mas, sem elas, este mesmo mundo não faz sentido. A altura, largura e profundidade da nossa existência são plenamente apreciadas sob a perspectiva de que temos um propósito que vai além dessa vida; que temos um Pai Eterno que nos ama, e fomos chamados a fazer parte de um Reino que nunca terá fim. E, por mais que isso pareça uma distorção da realidade, no fim, é a forma correta de enxergar a vida em sua plenitude.
     
     Uma vez, Jesus me disse que todas as coisas que criou nesta terra imperfeita eram uma metáfora da realidade espiritual. Isso faz todo sentido quando penso que a Bíblia fala em Provérbios 8:30 que Ele foi o Arquiteto do Universo. Assim como C.S. Lewis falava que cria no Evangelho como cria no Sol - não por vê-lo, mas por ver tudo através dele - , eu digo que hoje o Evangelho é meu ponto de fuga. A perspectiva ideal através da qual eu enxergo e compreendo o Universo que Ele criou. E assim como, um dia, ensinei alunos a enxergar os eixos que constroem nossa visão do mundo, quero ensinar outros a descobrir quais são os eixos que ordenam as perspectivas da vida.
     
      
A tal da foto.
      
     

14 de fevereiro de 2017

Sobre a Morte.

     O maior problema que nós enfrentamos na vida é que a vivemos como se ela nunca fosse acabar. Parece engraçado, mas sempre falamos disso pensando nos outros. Eis o fato: você e eu vamos morrer também. Um dia, que parece distante agora, quando eu penso em tudo que ainda preciso fazer, mas parece que chegará em breve, diante da velocidade com que as coisas correm. O Tempo, ele corre.

     O que você faria se tivesse apenas mais um mês, seis, um ano, dez, quinze de vida? A maioria diria que iria então viver, viver tudo que não foi vivido antes. A ideia de saber do fim motivaria uma troca de perspectiva. A ideia de saber do fim motivaria a finalmente viver a vida como se deve, como se gosta, como se deseja. A maioria de nós continua não sabendo quando vai morrer, mas eu tenho um amigo que não só entende que vai, como tem uma ideia bem mais acertada que nós de quando. E ele vive como se deve. 

     A perspectiva correta de se observar a vida é aquela que coloca a coisa mais importante de todas em destaque, e faz o resto parecer menor e menos importante. O fato é que você vai morrer. E, quando você morrer, mais tarde, hoje ainda, ou em 2077, só vai contar o que realmente importa. E isso não é um lugar-comum, um clichê, isso é fato. Pense sobre isso. Coloque-se no seu velório. Não há mais qualquer movimento que seus pés ou mãos possam fazer, não há mais qualquer dia que você possa viver.

     Passei uma boa parte da vida chorando pelo que não tinha. Um dia, eu tive, e não importou mais. É mais ou menos a mesma ideia, no fim - nenhuma das coisas que nós lutamos pra ter, pelo ter, importa. Nenhum dos sonhos que sonhamos pra nós, que vivemos sozinhos, nossas experiências, nada mais importa. Morre com nosso corpo. Jesus me lembrava hoje, mais cedo, "ajuntai tesouros no céu... Seja a Sua atitude a mesma que a minha...". Ele, sendo Deus, não considerou que ser igual a Deus era algo ao qual devia apegar-se. Divino, esvaziou-se de Si, assumiu a forma de servo, um homem, como nós. Deixou um padrão inabalável - foi obediente até à morte, morte de cruz. Quais são as coisas às quais eu me apego? Nenhuma delas é maior que Ser Deus. Será que minha própria vida ainda vale tanto assim?

     Tornar-se perfeito e completo é o processo de esvaziar-se totalmente de si, até que aquEle que É Perfeito seja completo em nós. Sou atraída pela ideia de um dia morrer totalmente pra mim, e por Ele. Sou atraída pela ideia de entender que fui chamada pra um caminho de obediência que produzirá frutos a 30, 60 e 100 por um, por uma, uma tão insignificante que não produziria nem 1 por 1 sozinha. Sou atraída pela ideia de ter visão, missão, propósito, e de aprender a abrir mão de tudo que não seja importante ou necessário. De queimar por algo todos os dias, até que eu seja consumida. Sou atraída pela ideia da morte, porque já me foi prometida a Vida Eterna, e é com os olhos fitos nEle, a própria Vida, que eu caminho a passos largos pro meu fim. 
    

1 de fevereiro de 2017

31 Devocionais #26 - Dono de todo meu Amor

      Queimando por essa música e por essa aqui também.

   Quando você conhece o Amor de Jesus, o verdadeiro Amor, sua vida é transformada, invariavelmente. Você não é transformado pelos milagres, pelas palavras que escuta, pela esperança de ter uma vida melhor, mas pela revelação do Amor. O Grande Eu Sou é Amor, tudo começa no Amor, tudo termina no Amor. Porque Ele amou o mundo, amou, ama, sempre amará - ainda que não mereçamos, nunca vamos merecer, mas recebemos de Graça.
    
     E, depois de sentir esse Amor, você começa a descobrir mais sobre Ele, e então entende que tinha sido Ele o tempo todo! A brisa que te acalmou num dia quente, o abraço que você não esperava quando queria desaparecer, o refúgio inacreditável no meio da tempestade, a mão que te foi estendida quando tudo era confuso. O sopro de vida que te fez acordar, cada batida do seu coração, o canto dos pássaros que tornam qualquer dia mais bonito. A morte de Cruz que te trouxe vida, e a ressurreição que agora te traz esperança. Sempre foi Ele, tentando chamar sua atenção, tentando te mostrar a grandeza de Seu Coração e de Seu Amor.
    
     E você descobre que Ele é lindo. Ainda que não houvesse transfiguração, se fosse Ele como raiz de terra seca para sempre, não haveria nenhum outro que se comparasse, que fosse mais belo. Você aprende a enxergar Jesus em tudo, aprende a queimar de Amor por Ele o tempo todo, porque o Amor dEle é o melhor do mundo, e caminhar com Ele é a melhor experiência do mundo, e Ele já era, É, e sempre será o que há de mais incrível no mundo tudo junto. É difícil achar palavras quando você está apaixonada pelo Alfa e Ômega, pelo Maravilhoso Conselheiro, pelo Deus Forte, o Pai da Eternidade, o Príncipe da Paz, o Cavaleiro do Cavalo Branco. AquEle que nunca falha. 
    
     Ser apaixonada por Ele é o melhor que eu já vivi. E eu já fui apaixonada por muitos moços, por muitas coisas, já tentei encher meu coração de tantas coisas, e Ele é o único que enche e transborda. Transborda tanto que vaza, que flui, como rios de águas que saem de mim e fazem vida em outros - fazem vida, porque vem dEle, e nEle estava a vida, e a vida era a luz dos homens. Ele é a minha luz, a luz que brilha em mim, a luz que brilha acima de mim, guiando meu caminho, me aquecendo no frio, me iluminando mais que o Sol, mais que mil sóis. 
    
     Ele é tudo, tudo mesmo, o Dono de todo o meu amor. Nunca vai existir outro que se compare ao meu Amado, e eu sei que meu amor é tão pouco perto do Amor dEle, mas eu quero poder amá-Lo mais, até o dia em que estejamos face a face. Não existe sacrifício, não existe desafio, não existe missão que seja maior ou melhor que Ele, e Ele é o motivo de todo sacrifício, desafio e missão na minha vida. Tudo começa nEle, tudo termina nEle, e eu, perdida por tanto tempo, fui achada nEle também. Eu hoje sou casa de Deus, e Ele é meu Lar. Nunca mais saio daqui.
    
   
     

3 de janeiro de 2017

31 Devocionais #25 - Beleza pra quê??

     Eu escrevo demais. E isso é decorrente do fato de que eu falo demais. Isso faz tão parte da minha identidade, que se reflete na forma como eu lido com o Pai em secreto. Falo muito e faço várias perguntas. Esses dias, fiquei pensando naquela ali em cima - beleza pra quê? Coloquei diante do Pai. 

     Meninas crescem ouvindo sobre beleza, sendo dominadas pela ideia de beleza, e sendo cobradas na beleza quando mal sabem que são meninas ainda. Crescemos todas assim. Competimos umas com as outras, porque o (nosso) mundo é das mais belas, mais jovens. Como resultado, a maioria de nós, independente do que o mundo diga, se sente inadequada. Feia. Rejeitada. Sempre insuficiente. Gorda demais, alta demais, o nariz, os lábios, os olhos. Tudo errado. 
     
     Como cristãs, precisamos entender que fomos desenhadas com Amor pelo Pai. E isso vai além do clichê que ouvimos toda vida. Os funcionalistas da Bauhaus, no século XX, diziam que, no design, a forma seguia a função, e eu amo como isso se aplica à obra do Senhor. Nosso design revela nosso propósito! Nossa personalidade, nosso jeito, nossa vocação, e, nisso tudo, nossa aparência. Ester teve a beleza que a levaria a ser escolhida como esposa do rei. Lia, mesmo tendo sido chamada menos bela que Raquel, sua irmã, foi escolhida e cuidada pelo Senhor, e entrou na linhagem do Messias. Até a Jesus, nosso Salvador, foi reservada uma aparência específica, como nos revela Isaías 53 - modesta diante dos homens, mas que escondia Sua Glória. 
     
     Você tem a aparência exata que convém ao seu destino, à sua identidade. Tenha boa mordomia do corpo que o Senhor te deu, mas não acredite nas mentiras que te contaram sobre ele. Sabemos que o nosso Senhor Deus é perfeito em tudo que faz, e nossas individualidade e diversidade também são manifestação da Glória dEle. Em obediência, podemos encontrar o caminho que nos guia ao cumprimento do nosso chamado - aquele lugar onde todas as peças se encaixam, e entendemos todas as circunstâncias que nos levaram até ali. 
     
     Não estamos competindo umas com as outras para descobrir quem é a mais bela, ou quem chama atenção do melhor moço. Pelo contrário, o Reino de Deus é cooperação! Ao final, entendemos que beleza também é propósito, e cada uma de nós possui um específico - e glórias ao Senhor pela perfeição da Sua obra! Não importa se, comparadas, somos mais ou menos belas - nós apenas somos, pois foi o Pai quem nos criou, e tudo que Ele faz é exato. 
     
     Por último, um apelo: não sejam enganadas pela inimizade do maligno! Sejam amigas umas das outras, sem competitividade, sem ciúmes. O Pai nos ama, todas e cada uma, e não há espaço no Reino para rixas e divisões. O mundo conhecerá que somos do Senhor se tivermos amor umas pelas outras; se o mundo diz que somos inimigas naturais, vamos mostrar a todos que somos uma só no Amor de Jesus.