14 de setembro de 2017

Eu sou difícil de amar.

     Ou, pelo menos, foi nisso que me fizeram acreditar a vida toda. Eu não era suficiente pra que ninguém se esforçasse. Chata demais, espinhosa demais, especial de menos, bonita de menos. Desde criança, consciente ou inconscientemente, a mensagem que as pessoas que passaram pela minha vida foi uma só - você é difícil de amar.
    
     Ninguém queria se esforçar pra entender meu jeito de falar, ou de pensar, de me vestir, de me comportar, apesar de eu ansiar tanto por um pouco de compreensão, alguém que sinalizasse que eu não estava sozinha dentro da minha cabeça no mundo. Nem meus pais escaparam dessa. Não os culpo, porque eu sei que, de alguma forma, eles achavam que me fariam bem, apontando as dificuldades de relacionamento que havia entre eu e o mundo. Mas algo se perdeu nessas boas intenções também.
    
     Não é surpreendente que, no meio de toda essa bagunça, mesmo tendo crescido na igreja, eu tenha passado meus 22 anos de vida sofrendo com um sentimento de que nem Deus seria capaz de me amar. Mesmo conhecendo e experimentando de todo o maravilhoso cuidado do Pai comigo ao longo de toda a vida, e a insondável profundidade do seu Ser, essa barreira não se fechava. Não se fechou, aliás. Não completamente. Eu vivo em altos e baixos dessa jornada de contemplar minha própria imperfeição nas superfícies reflexivas da vida, e não saber olhar pros céus depois disso. Algo sempre morre um pouquinho.
    
     Eu já falei milhares de vezes aqui sobre o perigo de colocar sua esperança no amor dos outros, mas acho que esse é um erro que todos vamos acabar cometendo, em algum momento, antes de acertarmos o alvo das nossas expectativas. Até porque o ser humano foi essencialmente criado para relacionamento, para amar e ser amado, e, em primeiro momento, é muito mais fácil se apoiar naquilo que está bem diante dos olhos. Aliás, eu diria que a vida é toda sobre o que amamos ou deixamos de amar entre o espaço e o tempo. Um movimento constante de aprender e desaprender, mas tudo sempre gira em torno disso. Não à toa, do nosso coração procedem as fontes da vida.
    
     Eu posso descrever com exatidão a forma como meu coração se aperta toda vez que eu experimento algum tipo de rejeição, mas existe também uma forma muito específica como meus ombros se relaxam quando eu me enxergo nos olhos de Jesus, o verdadeiro espelho pra mim. Saber que você é feitura divina é uma verdade que demora a descer da cabeça pro coração. Saber que você não nasceu pra agradar a todos, que sua individualidade é linda, são tantos clichês que, de tão repetidos, parecem nem fazer sentido mais. Parecem até mentira.
    
     Muitas pessoas foram responsáveis por me privar de viver a verdade do Amor genuíno que o Pai derramou sobre mim. E, pro meu total desespero, eu já fui responsável por privar outros de acreditar que eles eram dignos de amor e atenção. Essa contradição ambulante entre o que eu vivi e o que eu queria viver e o que eu já fiz e o que eu queria fazer gerou um sentimento profundo de empatia dentro de mim. Como olhar pra outra pessoa e não enxergar nela os mesmos cacos que me tornaram o vaso quebrado que eu sou? Enquanto Ele não volta, continuamos sendo refeitos, sujeitos a quebrar de novo, e de novo, e eu preciso amar todos os vasos em pedaços que existem por aí, tanto quanto eu gostaria que amassem os meus caquinhos.
    
     Sempre parece uma idiotice colocar dessa forma, em palavras tão simples, porque amor, misericórdia e compaixão na prática são a maior batalha que nós enfrentamos. Principalmente quando a pessoa a ser amada é exatamente aquela que nos magoou. Acho que é esse o ponto em que tudo converge e se encontra. O mais profundo do nosso Amor é testado no perdão, e na capacidade de se enxergar no lugar de quem não foi capaz de fazer isso por você.
    
     Por coincidência (ou não), amar àqueles que nos fazem mal, àqueles que nos matam, que nos pregariam numa Cruz se pudessem, foi exatamente aquilo que o Ponto de Convergência de toda a dispensação dos tempos fez. AquEle que se entregou por Amor, obediente até a morte. Aliás, aprender a Amar é poder contemplar o pior e ainda assim enxergar o melhor. Quem de nós é capaz de fazer isso? Assim como em Cristo, um pouco de nós sempre morre nesse processo. Eu prefiro pensar que aquilo que me torna difícil de ser amada aos olhos dos homens some um pouquinho quando o caráter dEle aparece em mim.
    
     Todo esse fluxo de ideias confusas é só um reflexo de sentimentos confusos, que, somados e subtraídos, são só as consequências de um coração machucado tendo que se recuperar de novo. Eu nunca fui dessas que foge dos processos, mas amar, às vezes me dá vontade de voltar atrás. Poder viver minhas mágoas e cultivar rancor e amargura em paz, até que me consumam totalmente. Mas, acho que, no final, de tantas mortes diferentes, tudo que eu quero é encontrar Vida. A minha, a dEle, pra que nós possamos ser um, e eu consiga finalmente aceitar que, sim, meu Pai me ama, apesar de tudo aquilo que eu odeio sobre mim, e que os outros odeiam também. A realidade é dura, mas a verdade é bela. Existe esperança no meio do caos. Existe Amor. Tanto pra mim, quanto pra você.